Apresentação do GT
“Psicanálise e Cultura” é o nome de um grupo de trabalho composto por psicanalistas do Instituto Langage onde são discutidos temas pertinentes a psicanálise com interfaces em outras áreas do pensamento.
Refletimos sobre o sujeito do nosso tempo imerso na cultura explorando o conhecimento psicanalítico e todas as suas inferências implicados e ancorados nas dimensões dos fenômenos e sintomas culturais que mais despertam nossas reflexões críticas. Iniciamos o trabalho em novembro de 2018 com o objetivo de construir um saber sobre o sujeito ubíquo que se apresenta na cultura atual e se faz representar em todas as suas linguagens.
Elencamos alguns temas que fomentamos discussões nos nossos encontros semanais. Para isso, os participantes trazem questões para acirrarmos o debate visando ampliar novas perspectivas de olhares e criando novas possibilidades para reflexão.
Nosso ponto de partida foi a releitura e discussão dos chamados “textos sociais” de Freud, destacando as ideias e conceitos que consideramos problemáticos. Para fundamentar as interpretações e análises acerca dos acontecimentos frequentemente noticiados no Brasil e no mundo, temos recorrido a diversos conhecimentos produzidos no campo da etologia, biologia, sociologia, antropologia, filosofia, linguística, artes, história, e claro, da própria psicanálise, entre outros.
Esforçamos-nos a refletir sobre diversos conceitos de cultura até chegarmos a uma definição: cultura consiste nas produções narrativas e discursivas das pessoas que vivem e interagem em um dado local e tempo histórico, contemplando a somatória das diferenças objetivas e subjetivas que coexistem e que são atreladas a produções humanas anteriores e, ao mesmo tempo, estão em ininterrupta transformação.
Também nos empenhamos em contestar a definição de sujeito lacaniano como fundamentalmente alienado e passamos a considerar que os sujeitos são responsáveis pela própria história, sendo capazes de construir suas próprias interpretações dos acontecimentos aos quais estão envolvidos direta ou indiretamente. Desse modo, nos contrapomos a algumas das definições atuais que atribuem ao sujeito contemporâneo um déficit na capacidade simbólica, sugerindo um sujeito “desbussolado” ou um sujeito passivo diante da “dessimbolização do mundo”, pois vislumbramos que os sujeitos tecem novas redes simbólicas e novas maneiras de se apropriarem dos significantes que a cultura tem oferecido, construindo assim, formas singulares de estar no mundo.
A partir destas definições e convocados pelas produções humanas atuais, nos dedicamos a estudar, entre outros assuntos, a constituição desse novo sujeito na psicanálise e sua relação com a cultura, o racismo e as diversas maneiras de expressão de identidade de gênero e da sexualidade.
No tocante a reflexão sobre o racismo, fenômeno presente em diversas sociedades contemporâneas, latentes na cultura, nas instituições e no cotidiano das relações entre os seres humanos. Questão esta que vem grassando, colocando em cheque toda perspectiva ética, que fortalece a intolerância às diferenças e potencializando o preconceito. Mas que também nos convoca a resistir, na tentativa de criar um movimento de novas ideias, de novos discursos e de novas práticas.
Sobre a diversidade das identificações de gênero e das expressões sexuais, o nosso trabalho tem sido o de apontar para a supremacia da singularidade em detrimento das padronizações e classificações que as instituições, inclusive a psicanálise, tentam enquadrar o sujeito. Um dos frutos deste trabalho é reconhecermos a necessidade de elucubrar a sexualidade feminina fora da comparação com a masculina, por exemplo.
Nosso trabalho tem sido tecido por meio de uma ferramenta da análise de discursos formulado por Michel Pêcheux que é o conceito de Acontecimento, que entende que um fato apenas se torna acontecimento se dele for produzido um ou mais discursos. A radicalidade do pensamento deste filósofo consiste em assegurar que o acontecimento é o próprio discurso, assim, ao criar novos discursos sobre um dado fato, criam-se novos acontecimentos. Partimos da premissa que todo discurso deve ser interpretado dentro de sua condição de produção. O sujeito está inserido num contexto, e sua fala tem uma lógica discursiva, construída dentro de um espaço e de um tempo. Esse espaço e tempo se materializam no discurso, que estrutura o sujeito e é por ele estruturado.
Chegamos à ética do grupo “Psicanálise e Cultura” que consiste na aposta de que objetar conceitos, desconstruir teorias, contestar histórias e reinstaurar a polissemia dos significantes possibilita criar lugares para que as inúmeras e diversas maneiras de existência participem da cena social e sejam reconhecidas como sujeitos.
Sergio Lopes de Oliveira: é Psicanalista. Diretor do Instituto langage. Editor da Maison d’Édition Langage e da Editora Langage. Correspondente Internacional do Collège International de Philosophie de Paris (1998 a 2002).